CONVIVÊNCIA DIGITAL: REINVENTANDO O TERRITÓRIO
A Convivência Social é um dos alicerces da política de assistência social. Ao mesmo tempo objetivo e objeto de trabalho, a promoção da convivência não pode ser limitada a colocar uns frente aos outros, senão que qualificar a implicação entre os participantes do atendimento socioassistencial. A densidade das relações, que é uma meta a ser alcançada, situa-se na dimensão da alteridade e no manejo da dinâmica social dos coletivos. O esmero metodológico necessário à excelência dos serviços socioassistenciais passa pelo aprofundamento da noção de convivência e de territorialidade, como veremos.
O mestre Milton Santos (1926 – 2001) nos ensinou a compreender a territorialidade para além da demarcação de fronteiras, abrangendo mais precisamente o significado dos lugares para quem nele vive, ou se preferirmos, o “território usado”:
“O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.” (SANTOS, 1999, p7)
O denominado exercício da vida, referido por ele, no qual se estabelecem as significações e caracteriza a territorialidade, é frequentemente confundido com comunidade, enquanto local de moradia. Ocorre que estar lado a lado, ou morar na mesma localidade não é suficiente para nos colocar em um horizonte comum, como anuncia a expressão comum-unidade. A noção de territorialidade, precisa ser buscada no âmbito da intersubjetividade dos que usam um mesmo espaço e, neste movimento, estabelecem seus sentidos dialeticamente. Em outras palavras, sendo a convivência que demarca a territorialidade, a ascenção do espaço virtual na vivência dos jovens, faz desta a territorialidade central também para o trabalho da assistência social.
No momento histórico em que vivemos a expansão vertiginosa das tecnologias digitais, onde novos espaços virtuais explodem em nossa frente a todo momento, os novos territórios e oportunidades de convivência são igualmente multiplicados na velocidade de um clique. A realidade tal qual a conhecemos não deixa de existir, mas perde significativamente importância na medida em que as telas ocupam a centralidade. Estejam elas no celular, numa enorme lâmina colada à parede (antigamente chamada televisão), computador, embarcadas em dispositivos de pulso, na lente dos óculos ou mesmo implantadas sob a pele das pessoas, como veremos em breve, é fato que as telas recriam os espaços e, por implicação a territorialidade onde convivem grande parte dos jovens hoje e conviveremos todos em breve.
A geração analógica, que nasceu antes mesmo da existência da internet – sim, já havia vida inteligente antes da internet – tem hoje a oportunidade de enfrentar a transição e navegar em um mundo povoado pela virtualização das relações, ou refugiar-se no saudosismo, como aqueles que procuram ainda proibir o celular nas escolas, por exemplo. A expressão “vertiginosa” nunca fez tanto sentido quanto agora, quando vemos que a velocidade com que as informações chegam a cada jovem conectado. Tão rápido quando acessam, se esvaem sem deixar vestígios e isto, para esta geração está completamente assimilado como parte do processo. O ritmo é tão frenético que é absolutamente incompreensível para grande parte dos adultos e idosos, cuja racionalidade foi formada numa cadência extremamente mais estendida. É difícil compreender como verdadeiras as paixões e os desprendimentos repentinos – muitas vezes separados por horas apenas, quando pensamos que até pouco tempo se esperava a oportunidade para um encontro que aconteceria semanas ou meses depois. É difícil decodificar as imagens e o roteiro de um videoclipe contemporâneo para quem constituía a imaginação a partir da descrição minuciosa de um cenário em romances que ocupavam dezenas de páginas em um único acontecimento.
Há encontros acontecendo e relações sendo estabelecidas pelos adolescentes e jovens no mundo virtual e não podemos desconsiderar isto. Não dá para insistir em atividades iguais aquelas que fazíamos há mais de dez anos e achar que estamos promovendo convivência. Além de não ser nada atrativas a eles, não é neste espaço que eles majoritariamente convivem. Não vale acusa-los de não aderir às propostas se elas estão dessincronizadas com o mundo digital. Não são menos valiosas as relações estabelecidas virtualmente, por mais duro possa parecer a quem só vive a realidade analógica.
Há sempre o apelo ao equilíbrio, onde se enfatiza a necessidade de também termos a oportunidade de tocar, sentir o cheiro do outro, enfrentar as dificuldades da coordenação motora, dos olhares, e assim por diante. Mesmo assumido que esta perspectiva é enriquecedora, só podemos defende-la legitimamente na medida em que também nos dispusermos a tatear – guiado por eles – nos terrenos virtuais nos quais somos extremamente menos hábeis.
É preciso, em primeiro lugar, admitir que o predomínio do digital está recriando territórios e a tarefa de qualificar a convivência nestes novos espaços vai exigir que nos reinventemos como mediadores / educadores sociais. Os riscos são enormes, na mesma proporção que a imensidão do espaço virtual. A violência, discriminação, timidez, exibicionismo, autoritarismo, conflitos de identidade, entre outras questões que exigem nossa intervenção no cotidiano presencial, também ocorrem e muitas vezes são amplificados nas redes sociais e outros espaços virtuais. Precisamos, no mínimo, buscar conhecer o vocabulário deste meio, suas modalidades principais, experimentar alguns passeios nesses universos, enfim, deixar de brigar com a tecnologia e passar a enfrentar o desafio de promover convivência social nos territórios virtuais.
Referências Bibliográficas:
Backes, Luciana, A Configuração do Espaço de Convivência Digital Virtual: A Cultura Emergente no Processo de Formação do Educador, Tese de Doutorado, UNISINOS, Porto Alegre – RS, 2011.
KOGA, Dirce; Aproximações sobre o Conceito de Território e sua Relação com a Universalidade das Políticas Públicas; UEL, Londrina – PR, 2013;
MELO, Thiago da Silva. Ensaio sobre as Concepções do Conceito de Território. I Congresso Internacional de Política Social e Serviço Social. Londrina PR, 2015.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.
______________. Território e dinheiro. In: Revista GEOgraphia. Niterói: programa de Pós-graduação em Geografia – PPGEO – UFF/AGB, v.1, n1. p. 7 a 13, 1999.
______________. Por uma outra globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal. São Paulo: Record, 2000.
______________. O retorno do território. In: Território, Globalização e Fragmentação. SP: Hucitec, 1994. Observatório Social da América Latina. Ano 6, nº16. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
Referências Digitais:
http://www.culturaemercado.com.br/site/pontos-de-vista/convivencia-no-espaco-virtual/
http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3878?locale-attribute=es