DESAFIOS DOS PROFISSIONAIS NO COTIDIANO DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO
O Brasil historicamente tem a marca da institucionalização, fragilizando laços, interrompendo histórias, alterando identidades e sonhos. Nesta perspectiva, é necessário refletir acerca da aplicação da medida protetiva, obviamente sem desconsiderar a importância e necessidade de proteção, especialmente à crianças e adolescentes, mas sobre as motivações desta drástica medida, e o direcionamento do trabalho realizado com as famílias.
O modelo de sociedade que vivemos provoca determinações na vida de crianças, adolescentes e suas famílias, fundamentadas em razões econômicas e sociais, trazendo significativas e indissolúveis alterações no curso de vida das pessoas. As famílias atendidas no sistema de garantia de direitos e rede de serviços comumente declaram não se sentirem contempladas em suas necessidades, e sim obrigadas a se adequarem a normativas e expectativas quanto ao esperado de uma família, tudo para que sejam considerados aptos a receberem suas crianças e adolescentes em seio familiar após permanecerem em Acolhimento institucional. É nesse processo que o profissional do serviço de Acolhimento se torna o primeiro depositário da angústia, ansiedade e demais sentimentos pelo grupo familiar.
O fato é que o acolhimento é um momento de ruptura e separação, e que indubitavelmente irá mudar a vida dos envolvidos definitivamente, já que nenhuma família passa por esta problemática sem sequelas, o que exige intensas ações de quem está a frente deste trabalho social.
Não se trata de desresponsabilizar as famílias deste processo, mas provocar reflexão sobre a percepção da sociedade acerca do acolhimento institucional, bem como, sobre a ação dos profissionais que diretamente participam deste momento, e que portanto tem papel imprescindível no desdobramento destas histórias de vida e na garantia de direitos, o que exige da equipe que atua na proteção especial de alta complexidade da Assistência Social, compromisso, posicionamento ético e disponibilidade frente aos desafios cotidianos.
Outro aspecto relevante é que profissionais que atuam no sistema de garantia de direitos e nos diversos equipamentos que compõem a rede de serviços são regidos por um Estado que desconsidera as particularidades, e estes profissionais tem o desafio de não reproduzirem a ideologia dominante, impondo à família a responsabilidade de corresponderem ao esperado para que seus direitos sejam garantidos, sejam eles econômicos ou de outra ordem.
Desta forma, é possível dizer que o cotidiano do serviço de acolhimento é repleto de desafios, contradições, limites e potencialidades, devendo sempre atender ao melhor interesse da criança ou adolescente, com vistas a reintegração familiar, desenvolvimento sadio e respeito a sua história e individualidade durante o período que permanecer em medida protetiva de acolhimento institucional
Aponto aqui alguns desafios frequentemente expostos por trabalhadores que atuam no serviço de Acolhimento, e devem ser observados cotidianamente, com o propósito de garantir direitos, neste caso materializados no processo de trabalho dos profissionais que atuam junto às famílias atendidas e no que decorre de suas ações profissionais.
– Respeito a história dos acolhidos:
As histórias de vida dos acolhidos frequentemente provocam incômodos, transferências, julgamentos e outras emoções aos profissionais próximos destes meninos e meninas, desafiando-os a manterem o equilíbrio na relação, no uso das informações de maneira ética, mantendo-se afetados e comprometidos com a problemática e ao mesmo tempo preservados em suas individualidades.
Outrossim, é importante considerarmos as experiências dos acolhidos, ele faz parte de um grupo, com hábitos e experiências próprias.
Em Pedagogia da Autonomia Paulo Freire diz que “um dos grandes pecados da escola é desconsiderar tudo com o que a criança chega a ela, e decretar que antes dela não há nada”.
O mesmo vale para o Acolhimento Institucional, podendo ser este uma relevante causa de conflitos. É desafiador e necessário lidar com particularidades em detrimento a intensa demanda de trabalho.
– Realizar planejamento e se adaptar à constantes mudanças:
A alta demanda de trabalho atrapalha a realização de planejamento da equipe, sendo necessário extremo empenho e priorização por parte de todos para que isto ocorra. Além de capacidade adaptativa e disponibilidade para repensar e reorganizar a rotina cotidianamente, já que são muitas vidas, histórias e necessidades individuais impulsionando as ações profissionais e justificando a existência do serviço.
– Combater o preconceito e os estigmas da institucionalização:
O desconhecimento da sociedade sobre o acolhimento institucional e os equívocos e preconceitos que decorrem disto, inclusive por parte de equipamentos de saúde, educação, a população em geral. A invisibilidade histórica de pessoas institucionalizadas faz com que situações simples e comumente vivenciadas por indivíduos na mesma faixa etária sejam estranhadas pela comunidade, exigindo dos profissionais constante diálogo e tentativa de rompimento das barreiras que circundam a questão.
– A dualidade intrínseca ao serviço de Acolhimento:
O acolhimento institucional está cercado de conflitos e incertezas existentes em cada indivíduo que o experencia, seja em que lugar esteja. É dual porque tenta ser lar, mas é provisório; trabalha para garantir direito e mantém crianças e adolescentes afastados do seio familiar; é afetivo, mas a pratica é profissional.
Esta dualidade concreta e observável desafia a todos diariamente.
Poderíamos discorrer sobre a ansiedade de todos os profissionais frente ao processo de acolhimento, o educar com a participação de pessoas de diferentes formações acadêmicas, concepções e crenças, os desafios dos limites profissionais e institucionais, a precarização do trabalho na assistência social, entre outros. Contudo, hoje queremos começar uma série de reflexões acerca do Acolhimento, e em futuros textos vamos aprofundando as questões levantadas. O fundamental é salientar a importância de constante análise sobre o quanto o trabalho é importante nesta realidade complexa, multifacetada e dinâmica do serviço de Acolhimento.
Terreno fértil para o crescimento profissional e propício para repensar concepções, qualificar a prática e reafirmar o compromisso de fazermos o novo frequentemente, sendo esta uma imposição do serviço de acolhimento.