EDUCAÇÃO POPULAR: UMA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO

por: Samara Xavier

“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam concomitantemente”

Paulo Freire

Compreende-se por Educação Popular as práticas sociais que objetivam a construção e a reconstrução do homem e de sua história e que correspondem, portanto, aos instrumentos criados pelo homem para a transformação da sociedade e das relações sociais determinadas. Nestas práticas o que se elabora é o conhecimento das camadas populares, as formas como elas apreendem e explicam os acontecimentos da vida que, por sua vez, contém a marca da experiência vivida, da exploração, do enfrentamento cotidiano das precárias condições materiais.

A educação é composta por elementos objetivos e subjetivos, por forças contraditórias internas e externas. Várias práticas podem se configurar experiências em Educação Popular: alfabetização, formação política, trabalhos sociais, pois, estes espaços propõem-se a realizar fundamentalmente o despertar da consciência, sua construção.

A Educação Popular não deve ser compreendida enquanto meio para conduzir as populações a níveis de consciência mais elevadas, tão menos deve corresponder à capacitação dos pobres para práticas mais políticas. Deve ser, gestionariamente um espaço político-democrático de ação-reflexão da população sobre suas condições de vida, sobre os problemas enfrentados diariamente. Um espaço onde as diferentes trajetórias de vida e as particularidades das experiências individuais dos diversos sujeitos sejam valorizados e se encontrem enquanto vivências comuns a uma mesma classe. Um espaço de troca, de sonhos e esperanças comuns.

A partir do conhecimento que o sujeito produz sobre o seu mundo é que ele poderá modificicá-lo. Nisto constitui, portanto, a práxis: na ação e reflexão dos homens sobre o mundo objetivando transformá-lo. No livro A Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire diz que esse processo de transformação do mundo através dos sujeitos passaria, então, por dois momentos: primeiro pelo desvelamento do mundo e o reconhecimento pelos oprimidos do papel fundamental que desempenham na história; e, segundo, pela socialização do conhecimento apreendido e pela transformação das relações sociais opressoras, deixando a pedagogia de ser dos oprimidos e passando a ser “dos homens em processo de permanente libertação”.

A Educação Popular que se objetiva na transformação da sociedade deve possibilitar as mulheres e homens a desmistificação da realidade, o reconhecimento do movimento dialético que compõe esta realidade e a transformação da consciência. Mas, antes dessa transformação ou esse despertar, Paulo Freire na sua “Pedagogia da Indignação” mostra dois discursos: um discurso fatalista que considera que tudo está pronto e acabado, que a sociedade é da forma como está e que nada há de se fazer para transformá-la; e há, também, o discurso do voluntarismo histórico de que as mudanças irão ocorrer, que o futuro será diferente, porém não porquê cabe aos homens guiar a história da humanidade, e sim que ocorrerá a mudança porque está dito que virá. Segundo Freire esses discursos não são discursos de constatação da impossibilidade de mudança, e sim, discursos reacionários que procuram inviabilizar a mudança possível realizada por mulheres e homens.

Não há neutralidade na educação. Ela é política e acredita-se nela como um caminho, que não pode tudo, mas que pode muita coisa no sentido da mudança e da transformação social, que pressupõe necessariamente uma revolução individual e coletiva em nossos valores e práticas.

É a partir das relações sociais que se desenvolve o saber, nos diálogos, nas trocas de ideias e experiências que não se medem quantitativamente, pois não existe saber mais ou menos, existem saberes diferentes que se completam e juntos constroem consciências capazes de compreender e questionar a realidade do seu próprio eu, do outro e do mundo que os cerca.

Paulo Freire foi um grande pensador e percursor dessa concepção emancipadora de educação. Apesar de ser um que lutou muito, durante toda a vida, pela educação, não só no Brasil, mas em todo o mundo, poucas pessoas ouvem falar desse grande educador antes de ingressarem ao ensino superior.

O objetivo desse texto é mostrar em poucas linhas como pensa e quem é esse grande educador e humanista, e porque ele é tão importante para a educação.

Filho de uma família pobre, não chegou a passar fome, mas a escassez de comida foi suficiente para dificultar seus estudos. Foi alfabetizado pelos pais, e suas primeiras palavras foram escritas no chão através de gravetos. A educação que recebeu de seus pais – baseada no diálogo, com autoridade, porém sem autoritarismo – influenciou profundamente sua filosofia de educação.

Ele foi responsável por um novo modo de alfabetização de adultos. Alfabetização esta que se pauta pela troca de saberes, no qual o educador – que ensinando, aprende – e o educando – que aprendendo, também ensina. Desta forma constroem o conhecimento conjuntamente, além da presença marcante indissociável do diálogo nesse processo (a chamada dialogiciade), e também da horizontalidade no processo educativo.

Esse processo apresentado tem por base a compreensão da realidade social na qual o educando está inserido (Paulo Freire sempre preferiu o termo educando em detrimento de aluno, que significa sem luz) para, a partir desta, preparar o vocabulário ou, as palavras geradoras que serão o ponto inicial do trabalho de alfabetização. Assim, o processo de letramento ultrapassa a questão técnica na qual o educando aprende a ler a palavra, que para ele, é desprovida de significado. O que Paulo Freire propõe é a leitura da palavra e do mundo, pois toda palavra possui uma carga semântica e também é fruto de uma construção cultural.

Trata-se, desse modo, de uma ação de alfabetização com conscientização e, por isso, política. Uma ação de educar a partir da leitura do mundo, um mundo extremamente opressor e que precisa ser desvelado para ser superado. Superado a partir do momento em que os educandos se descobrem como sujeitos da história, capazes de mudar o seu destino e o destino do seu planeta. Afinal, o mundo que existe hoje foi constituído pelas mãos de mulheres e homens e pode muito bem ser mudado por eles. Nas palavras do próprio Paulo Freire: “o mundo não é, está sendo”. Abre-se, dessa forma, o combate a qualquer forma de fatalismo.

Toda sua práxis – que significa, em linhas gerais, a indissociabilidade do pensar teórico e da ação transformadora; ação–reflexão – surge para trabalhar em prol da transformação da realidade social, que encontra na educação vigente (até hoje) um grande obstáculo: a educação bancária.

Paulo Freire desenvolve a noção de educação libertadora em sua obra clássica “Pedagogia do Oprimido”, porém, com o intuito de dar uma pequena noção sobre o assunto, procuraremos iluminar um pouco mais o conceito de Educação Bancária.

A Educação Bancária é o oposto da Educação Libertadora. A Educação Bancária visa a manutenção do status quo, procura passar aos “alunos” uma visão fatalista do mundo, algo do tipo “Deus quis assim” e é justamente o que a Educação Libertadora nega. O aluno de uma escola de Educação Bancária (vemos casos na grande maioria dos cursos preparatórios para vestibular e na grande maioria das escolas de ensino básico e médio) é um mero recipiente de conteúdos, de informações no menor espaço de tempo, e o melhor aluno é aquele que consegue absorver mais informações. Abole-se, assim, a interpretação crítica dessas informações e a construção do conhecimento.

A vida de Paulo Freire e seu trabalho com a educação – especialmente com a educação popular – é muito rico e extenso, o que procurou-se fazer aqui foi apenas apresentar uma introdução a esse grande pensador mundial, que lutou a vida toda por um mundo mais justo, mais humano e mais bonito.

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