Quem é quem: Quando acabar o isolamento compulsório será transformador exercitar o afastamento voluntário e a aproximação por propósito
É incrível, mas acredito que em maior ou menor medida todos os que me leem já perceberam que em tempos de afastamento físico passamos a conhecer com maior profundidade tudo aquilo e ou aqueles com os quais nos relacionamos. Os bares e restaurantes preferidos, as medias para acesso a conteúdos de entretenimento e informação, as marcas dos produtos e serviços que consumimos, os políticos das três esferas de governo, nossos empregadores, fornecedores, funcionários, amigos, clientes e familiares. Sim, foi o abominável vírus “coroado” que descortinou e deu visibilidade às crenças e visões de mundo destes múltiplos segmentos com os quais até aqui temos cotidianamente escrito nossas histórias.
Assim, em apenas quinze dias, a polarização no campo da política e dos costumes, perdeu força, “sendo rapidamente sufocada” por novas alianças e afastamentos jamais previstos por qualquer futurologista de renome. A pandemia que literalmente tem tirado o ar e vidas de milhares de pessoas ao redor do mundo, também trouxe consigo uma atmosfera de caos com potência para escancarar posturas e incoerências a muito encobertas pelo verniz da rotina e do comodismo. Com essa sensação da vida se transformando em um filme de ficção assustador, tudo indica que além do caos outro elemento disseminado em larga escala, foi um incontrolável desejo individual e coletivo de olhar para dentro, refletir de fato, fazer perguntas e descobrir o que realmente importa.
Nesse Inesperável mundo novo as cartas foram embaralhadas e as incertezas se apresentam como único fato concreto na hora de se definir prioridades. O terremoto que deslocou a orbita do cotidiano de bilhões de pessoas ao redor do mundo já tornou evidentes algumas destas escolhas. Gestores historicamente orientados pela busca do lucro fácil a todo custo, dobraram a aposta recorrendo a uma receita sempre usada por eles mesmos em tempo de vacas gordas. Aumenta o preço, reduz salários e corta pessoal, tudo isso “é claro” sempre em nome da “austeridade na gestão”! Felizmente na mesma proporção em que muitos reafirmam seu velho jeito de desprezar o aspecto humano, outros tantos ganham novo gás para impulsionar ações solidárias, e campanhas inovadoras orientadas por uma postura organizacional que aposta na capacidade colaborativa da sociedade para avançar, resolvendo o problema coletivamente. Tais fenômenos dividem as páginas de jornais com negacionistas da ciência, coletivos solidários e empresários divergentes como por exemplo, lideranças do segmento varejista afirmando de um lado que será preciso demitir milhares de pessoas, enquanto no outro lado do mesmo segmento há quem dobre o pagamento de auxílio creche e, em conjunto com os colaboradores, se crie estratégias para suspender demissões e impulsionar vendas Online.
As tais cartas embaralhadas estão provocando surpresas de toda ordem, apontando para um futuro que se apresenta sofrível na companhia de determinadas pessoas, porém repleto de alternativas e novas possibilidades de vínculos e caminhos para a convivência. Um telefonema inesperado demonstrando preocupação e carinho, uma redução de salário e ou demissão injustificada com menos de quinze dias de crise, os novos hábitos que já parecem velhos de tão presentes na vida em confinamento, as velhas regras desconstruídas diante da necessidade de se privilegiar a vida. Tudo isso alicerça uma estrutura complexa que funcionará como uma espécie de portal que nos conduzirá até um novo período histórico para as relações humanas.
Não tenho dúvidas em afirmar que as memórias e experiências vivenciadas em tempos de isolamento social serão diretamente responsáveis por orientar essas relações pós Covid-19, sendo elas decisivas para que voluntariamente busquemos afastamentos e aproximações. Neste turbilhão de decisões que vai conectar e afastar pessoas e marcas, protagonizaremos o papel privilegiado de testemunhas de um novo tempo, marcado pelo rompimento, reconstrução e nascimento de vínculos pessoais, corporativos, orgânicos e institucionais.